Eu me preparei para começar esta postagem assim: 'Tô no Sudão', cheio de alegria, mas não deu. O Sudão era talvez o destino mais misterioso e mais difícil. Cruzar sua fronteira, para mim, era um dos meus maiores objetivos. Foi conseguido, mas não da forma esperada.
Bem que o Lonely Planet avisou: “se você vai da Etiópia ao Sudão por terra, você tem grandes chances de dormir em Gedaref”. E acrescenta: “ Você não gostaria de estar tão longe”.
Bem que eu tentei mudar essa escrita. Acordei às 5:30h e às seis estava no terminal de ônibus de Gondar. Comigo foi um rapaz que o dono do hotel, onde eu estava, indicou. Na entrada do terminal, recebi proposta de transporte em 'van', para a fronteira, mas o rapaz recusou. Entrou no terminal, foi cercado como todos que ali chegam, discutiu e fechou. Indicou meu ônibus e foi embora, com uma gratificação pelo serviço, é claro. Imediatamente veio o cobrador e emitiu o ticket, sacramentando o negócio. Aí começou a enrolação. Nada do ônibus sair. Achei que sairia às sete, mas nada. Quando perguntei ao motorista ele disse que partiria às oito. Comecei perdendo duas horas.
Terminal de ônibus de Gondar
Saímos e nada do motorista desenvolver. Lerdinho, lerdinho. E um tremendo pinga- pinga. Depois de uma três horas de viagem, o motorista para e todos descem do ônibus em uma entrada de fazenda. Um indivíduo que parecia ser o dono do veículo disse que estava esperando um passageiro e que só demoraria cinco minutos. Quarenta minutos depois aparece uma van pela estrada da fazenda e descarrega um bocado de gente. Enfim entendi; era uma conexão. Todo mundo sabia menos eu. Nessa altura já tinha sido informado que chegaríamos às 13:30. Na minha cabeça, talvez ainda desse para chegar em Khartoun, capital do Sudão.
Mais na frente, nosso ônibus atropela (e mata) uma cabrita. É incrível a quantidade de gado andando pela pista. Se fosse lá 'no Goiás', o motorista parava pegava a cabrita e levava para o jantar. E se estragasse o ônibus ainda podia cobrar o estrago do dono da cabrita. Mas aqui é diferente. Foi aquela confusão. O fazendeiro bravo, com uma garrucha pendurada no ombro, o motorista e os passageiros, todos discutindo. Eu claro, não entendi nada. Só sei que foram mais quarenta minutos. No final a cabrita veio para dentro do ônibus e jogaram-na bem nos meus pés. Argh! (Esqueci de fotografar; que raiva !)
Resumo da ópera, cheguei na fronteira três da tarde. Uma viagem que deveria durar no máximo cinco horas, demorou sete, fora as duas em que fiquei 'morgando', esperando o ônibus sair. Palmas para o Lonely Planet. Ia dormir em Gedaref.
Na saída da Etiópia, 'baculejo', o cara resolveu abrir minha mochila. Normalmente, bagagens são vistoriadas na entrada de um país pois o viajante pode estar trazendo coisas ilegais, como drogas, por exemplo. Mas na saída? O que de tão valioso eu poderia estar levando da Etiópia? Mas fiscal manda e a gente obedece. Sempre falo isso para quem me pergunta. Quando ele viu a camiseta da seleção brasileira (a falsa, porque a original estava mais embaixo), cresceu o olho. Imagino se visse a do Timão. Ia querer me tomar na certa. E aí ia ser briga feia. Mas voltando à camiseta, eu fingi de morto, dei um chaveirinho e ficou nisso. Adeus Etiópia.
Desde a hora que cheguei na fronteira, grudou em mim um rapaz, oferecendo ajuda. Falei que não precisava, mas ele nem 'se tocou', seguiu indicando o caminho. Arrumou um cambista, me indicou a imigração, a alfândega e depois ainda indicou uma 'van' para seguir viagem. Claro que no fim exigiu uma boa gratificação ainda que tenha recebido comissão por todos os serviços que me indicou. Mas pelo menos era simpático e engraçado. Taí a foto dele:
David, o despachante da fronteira.
Já no caminho para a temível Gedaref ainda furou o pneu da 'van', e só fui chegar já de noitinha. O cara da 'van', muito mala, me disse que ia me deixar num hotel. De fato, após de deixar os passageiros, me levou ao melhor hotel da cidade. Entrou comigo trazendo o ainda o cobrador, para o recepcionista do hotel saber que ia rolar uma comissão. Este, acuado, botou o preço nas alturas. Claro, peguei minha coisas e fui embora. Lá fora eles ainda tentaram cobrar pelo serviço. Serviço de me extorquir. Encarei os malandros, parei uma 'tuc-tuc' e entrei. Eles ainda tentaram segurar o motorista. Eu ameacei sair do 'tuc-tuc' e, finalmente, fomos embora. Depois até pensei que exagerei. Se os dois 'negão' resolvem me encarar, eu 'tava frito'.
Estava com pouco dinheiro, precisava sacar. Passei por uns seis ou sete caixas eletrônicos e nenhum aceitou meu cartão. Desisti e fui para o hotel. Chamá-lo de moquifo seria ofender os moquifos. Sem dúvida vim parar no pior, mas disparadamente o pior hotel da viagem. Horroroso, camas naquela formato de barco e ainda com banheiro no corredor. E daqueles sem privada, de fazer cocô agachadinho. Não passei nem perto. Guardei a embalagem de água para o caso de ter de fazer xixi à noite, mas nem precisou. Acho que travou tudo. E o hotel ainda custou quase 25 dólares.
Ainda tive ir ir no mercado que circunda o hotel para achar um cambista. Um cara que vendia joias (árabe gosta de joia) me trocou cem dólares (depois descobri que foi o pior câmbio da viagem). Internet, nem pensar. Não achei. Voltando pro hotel, não tirei nem a roupa. Dormi do jeito que cheguei. De manhã, peguei o primeiro ônibus para Khartoun.
A boa notícia é que cheguei bem (derrubado) ao Sudão. Para quem esperava uma grande aventura para cruzar a fronteira, foi moleza.
Aqui as mulheres se vestem assim. Não se pode fotografá-las, mas eu fiz de longe.
PS - Ficou faltando falar de Gondar, de onde vim para o Sudão. Posto assim que tiver um tempinho.